Obrigado, Jeunet, pela mudança: Amélie Poulain não poderia ser melhor
- Ian Neves - crítica cinematográfica
- 28 de nov. de 2018
- 3 min de leitura

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain é um grande romance, mas não em se tratando apenas de um casal: o filme de 2001, dirigido por Jean-Pierre Jeunet, aborda a simplicidade em diversos momentos, entre elementos da narrativa. Enquanto Amélie nascia, uma mosca voava em outro lugar, uma toalha balançava na mesa em outro lugar; ou seja, ao valorizar de maneira equivalente todos esses acontecimentos, conclui-se que nos pequenos detalhes, também se encontra muita beleza.
A protagonista Amélie Poulain (Audrey Tautou) cresceu sempre observando e obedecendo os pais, não importava a situação; ao carregar isso pela sua vida adulta, não descobriu muitos dramas e amores. Quando encontra uma caixa escondida em seu apartamento, busca o seu dono e, ao observar sua reação, decide que quer fazer mais gestos como este para quem está a sua volta.
Audrey Tautou destaca sua personagem de maneira impecável ao transmitir a meiguice nos momentos certos. A suavidade e delicadeza na voz, a dificuldade de se expressar, a timidez e os seus olhares criam condições intimistas e ao mesmo tempo, orgânicas. Além dessas características, o jeito como é filmada (em close-ups) também transmite sensação de intimidade. Com isso, conseguimos ver que os elementos estão no filme não apenas por estética, mas sim para complementar a narrativa.
A fotografia e toda a direção de arte se mostra agradável, sempre com tons de verde, vermelho e amarelo saturados, fazendo com que o longa mais pareça óleo sobre tela. Mas ainda assim, sombras em momentos de tensão e tons mais escuros em lugares pouco iluminados criam um balanço de cores satisfatório e convidativo. Cenários e objetos cênicos chamativos sempre podendo ser associados a quem os pertencem, como o Cafe des Deux Moulins, lanchonete de Suzanne.
Jeunet, conhecido por produzir filmes mais sombrios, como O Ladrão de Sonhos (1995) e Delicatessen (1991), traz uma história diferente e fácil para quem a acompanha se identificar. Mesmo assim, suas escolhas de ângulo, edição e efeitos não deixam de aparecer: dinamismo, rapidez e uma excelente composição técnica se misturam e se complementam. Podemos exemplificar com a rápida cena em que Amélie ajuda um senhor com deficiência visual a atravessar a rua: ela faz questão de descrever tudo o que acontece ao redor deles, como o que representa o aroma que estão sentindo, um pedaço da placa do açougue que está faltando e as rugas do marido da florista.
Em se tratando de edição de som, é uma experiência única que surpreende por enfatizar sons do nosso cotidiano que na maioria das vezes passam despercebidos: moedas em uma máquina, objetos batendo uns nos outros e apenas o som do beijo quando a protagonista se encontra com Nino. A trilha sonora, composta por Yann Tiersen, é quase mágica, expressando a delicadeza da música clássica e se encaixando perfeitamente em cada cena.
Jeunet e Guillaume Laurant criaram o roteiro com cautela ao apresentar outras tramas além da história principal, dando valor a todos os personagens, principalmente quando apresenta suas manias e cria uma relação mais forte com o público. Assim, mostram que todo mundo tem importância, por mais simples que seja sua história.
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain fascina e cativa do começo ao fim, mostrando que os detalhes são importantes e que são neles que podemos encontrar nossas maiores satisfações. Jeunet nos faz perceber de maneira simples e impressionante que, para nossa felicidade, é preciso amar.
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