O último suspiro que encheu os pulmões de milhares de brasileiros
- Danielli Lamperein
- 28 de mar. de 2018
- 3 min de leitura
Marielle Franco. Mulher, negra, periférica, feminista, lésbica. A segunda vereadora mais votada ao cargo em todo país. Foram 46,5 mil votos. Era seu primeiro mandato pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL. Ninguém imaginava que seria o último. Eu estava no barzinho que fica no pé do morro da faculdade quando chegou a notícia da execução, saindo de um evento na Lapa. Silêncio. Continuo em silêncio. Foram 15 dias, entre nomeação à comissão que acompanha a intervenção militar no Rio de Janeiro e seu assassinato, três dias após denunciar abuso policial na favela de Acari.

Foto: Marielle Franco em agosto de 2016. Foto: Mídia Ninja/Wikimedia Commons
Não forjaram assalto, sequestro, não maquiaram nada. O recado foi entregue. Para quem sabe ler, um pingo é letra. Foi crime político, sim. Foi queima de arquivo, sim. Mas foi um crime racista, em primeiro lugar. O recado não foi para mim, foi para a galera negra que vive na favela. Marielle Franco era mulher. Uma mulher – NEGRA – ocupando um assento na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Defendia as minorias e era militante dos Direitos Humanos. Por trás do crime político, existe o crime de ódio.
Mulheres negras, como Marielle, morrem todos os dias no Brasil. Todos os dias. Em 2016, a cada duas horas uma mulher foi assassinada no país. Foram mais de 4,5 mil mortes, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Segundo o Diagnóstico dos Homicídios no Brasil/Ministério da Justiça (2015), mulheres negras têm duas vezes mais chances de serem assassinadas quando comparadas às brancas. Entre as mulheres que foram assassinadas em 2015, negras representaram 65,3%, de acordo com o Atlas da Violência, do Ipea.
O Atlas também mostra que taxa de mortalidade de mulheres negras aumentou 22%, no período de 2005 a 2015. Vale lembrar que os policiais que mais morrem também são negros. De acordo com o Anuário de Segurança Pública de 2016, eles representaram 56% das mortes. Brancos 43%. Os dados não nos dizem nada? Elza Soares não está brincando quando diz que a carne negra é mais barata do mercado.
É preciso colocar a mão na consciência. O buraco é muito mais embaixo. O buraco é fundo. Precisamos aprender a cavar. A gente não faz ideia do que a Mari representa para essa galera da favela, que vive com seus direitos civis, políticos e sociais cerceados diariamente. A gente não faz ideia. Marielle representa toda uma geração. E sua voz continuará ecoando nos corações, principalmente nos da Maré.
Em 1968, o assassinato do estudante Edson Luís lotou a Cinelândia. Edson tinha apenas 18 anos quando foi morto com um tiro a queima roupa no peito, enquanto protestava contra os altos preços do restaurante que costumava almoçar. Sua morte virou canção:
Quem cala sobre teu corpo Consente na tua morte
(...)
Quem cala morre contigo Mais morto que estás agora Relógio no chão da praça Batendo, avisando a hora Que a raiva traçou No incêndio repetindo O brilho de teu cabelo Quem grita vive contigo
(Menino – Milton Nascimento, Ronaldo Bastos)
50 anos mais tarde, a execução da vereadora Marielle Franco lota a Cinelândia novamente. A comoção é a mesma. A sede de justiça é a mesma. A revolta é a mesma. Calaram Marielle, calaram Édson, calaram Anderson e tantos outros. Só que, nesse caso, o silêncio trouxe voz. E essa voz se multiplicou. Somos milhares. Após cinco décadas, ainda somos milhares.
Eu aprendi num livro antigo que semente boa, quando morre, dá muito fruto. Semente boa germina até no asfalto. Erga os olhos, veja os campos. Você plantou a boa parte, Marielle. Chegou a hora de colher os frutos do seu penoso trabalho. Seu último suspiro encheu o pulmão de milhares de brasileiros – e agora essas vozes reverberam nos quatro cantos do país: Marielle, presente! E eu respondo: hoje e sempre!
Comments